quarta-feira, 7 de março de 2007

Paulo Francis e seus muitos erros de gravação


"Dez anos da morte do Paulo Francis, todo mundo que conheceu o cara faz o panegírico, e, claro, tira uma casquinha da fama, contando como cruzou com o sujeito (no bom sentido), como ele era um pedaço abençoado de Deus na terra, essas coisas. O Francis era genial, divertidíssimo, e conseguia dizer as maiores bestialidades sem ranço, ao contrário da cáfila de imitadores que tenta hoje, sem sucesso, ocupar o espaço dele na midia.
Vi o material sobre ele nos jornais do fim de semana, e, levado pela Folha, procurei os vídeos com o cara, no You Tube, a TV do século XXI. Material fraquinho, uns documentários quando houve o passamento da figura, e, num deles, uma seção com erros de gravação e gravações de bastidores, onde o homem profere um PQP a cada dez segundos. Esse é bom. Dá para sentir um pouco a simpatia do cara, atrás das câmeras, e quem já gravou para tv não tem como se solidarizar com a hilária tentativa dele, de gravar um stand up num estádio onde é interrompido o tempo todo.
Morreu, dizem, atarantado com um processo que lhe moveu a Petrobras, por uma das irresponsabildiadesd que preferia em vídeo.
Eu sempre o considerei um grande humorista. De direita, radicalmente preconceituoso, mas inteligente, divertido, provocativo, instigante, carismático. Acho que era visto assim pelos amigos (o que eu não era), mas entendo quem o odeia, pela influência catártica que exercia sobre a multidão de idiotas babujantes com idéias chovinistas adquiridas por osmose ou compradas a quilo na Siciliano, ou noutra livraria de carregação por aí.

Vendo o vídeo, me lembrei que eu também cruzei com o Paulo Francis. No bom sentido, extra-dérmico, claro. Trabalhava na Folha, onde ele mantinha o Diário da Corte e era o correspodente em Nova York, e, na primeira viagem de Fernando Collor a Manhattan, liguei para ele, assim que cheguei e me instalei no Plaza, numa água furtada onde quase tinha de me curvar para chegar à janela.
Fui atendido por um sujeito com sotaque carioca, mas em nada parecido com aquela voz arrastada que ouvimos no vídeo. Era o próprio, muito gentil, amigável mesmo; combinamos nos encontrar no saguão do hotel.
Mais tarde, passo no saguão e vejo o Collor, no restaurante do Plaza, com três jornalistas (o Francis, o Élio Gaspari e o Mário Rosa, do JB, amigo do presidente, ex-assessor da Zélia cardoso de Mello). Passei, olhei de longe, e não sei se foi o Mário Rosa quem disse a ele quem eu era, o fato é que o Paulo Francis saiu da mesa para falar comigo, me explicar que o Collor os havia chamado, que ele conversaria com o presidente, só com o Gaspari e o Rosa, e que me contaria depois a conversa para combinarmos o que fazer. Combinarmos! Deve ser a tal generosidade de que falam tanto dele nos panegíricos. Raros correspondentes com a estrada que ele tinha dariam essa atenção a um moleque enviado por São Paulo para seu terreiro.
Combinamos juntos a cobertura, sem nenhuma arrogãncia por parte dele, muito pelo contrário, me deixou até ficar com a melhor matéria, manchete de página no dia seguinte. Não o vi mais, desde então, mas fiquei com essa imagem de um senhor jovial, simpático, afável e generoso. Gostaria de ter sido amigo dele.
Como não fui, fico até mais à vontade para fazer uma canalhice e desafinar um pouco nesse coro de louvações ao Francis. Meter o pau, mesmo, só meteram (a meu ver injustamente, mas tenho péssimo gosto, adorei o Brejal dos Guajás, do Sarney) nos romances que ele escreveu. Não vi, nos artigos sobre ele, exemplos dos brutais erros que cometia, escudado em suas leituras variadísimas, mas muitas vezes superficiais. Não se falou da malçdade que fez com a mulher, a jornalista Sônia Nolasco, excelente e pouco conhecida escritora, a quem reprimiu de maneira rude quando ela ganhou um prêmio de contos eróticos na finada Status (isso, confesso, li há muito tempo, de um editor da Status, nunca confirmei); não se lembrou a briga dele com o pessoal do Pasquim, e dos vitupérios com que respondeu ao Jaguar, quando, em uma entrevista por escrito, o ex-editor do Pasquim insinuou que ele teria tido encontros homossexuais em Búzios (ou Angra, não lembro).
Só o velho hábito nacional de tirar uma onda em cima do morto ilustre insinuando intimidade, e cobrí-lo de elogios (entremeados por ressalvas anódinas como "polêmico", "autêntico", "iconoclasta", querendo dizer "reacionário", "racista" e elitista).

Um dia o país aprende a cultuar os mortos geniais sem apelar para a maquiagem condescendente".

Texto: Sérgio Léo

Um comentário:

Unknown disse...

Que figura era o Paulo Francis!
[]s