quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Crônica: O Vale Coelho


O Vale Coelho
Paulo Cezar Guimarães

Certo dia, para incrementar a sua coleção de pratos da Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança, meu amigo Larica foi ao restaurante Navegador, no Clube Naval, centro do Rio. O prato da Boa Lembrança do Navegador à época era “coelho ao molho de chocolate”. E eu sou homem de comer coelho? Inda mais com molho de chocolate!´, pensou alto.
Perguntou ao mâitre se podia fazer uma outra escolha. Pelo mesmo preço ou até mais caro. O cara disse que não podia, pois os pratos são contados. Tantos coelhos ao molho de chocolate, tantos pratos da Boa Lembrança.
“Mas tem que ter um jeitinho”, implorou Larica.
Pensou até em pedir que colocassem o coelho numa quentinha, mas achou que seria deselegante. Poderia também ter problemas com o Ibama. Combinou com o mâitre deixar a conta paga e passar no dia seguinte com um amigo que comesse coelho. Em princípio, o mâitre ficou sem entender, coçou a cabeça, mas concordou.
Larica ligou pro amigo Wilson Baroncelli, que come de tudo e, morrendo de rir, ao telefone, concordou em comer o pobre do bichinho.
“É o Vale Coelho, Larica. Você acaba de criar o Vale Coelho”, disse.
E ainda acrescentou:
“Você está num clube de militares. Os caras levam as coisas ao pé da letra. Como você ia querer subverter a ordem?”.
Para não passar por chato, Larica acabou pedindo um steak ao Poivre, o que acabou fazendo com que ficasse com sede e a boca ardendo o resto do dia. Mas saiu de lá feliz da vida, com o prato da Boa Lembrança. Não sem antes ouvir um apelo do mâitre Hernandes:
“Se perguntarem se você gostou do coelho, diga que sim.”
Não foi a primeira vez que Larica, digamos assim, “pagou mico” (no caso, “pagou coelho”), por causa dessa mania de colecionar pratos souvenires. Em outra ocasião, foi ao Pato com Laranja, também no centro do Rio. A mesma coisa. O prato era “agnolloti de cordeiro com molho de tomilho com menta”. A moça, que parecia ser a dona do restaurante, também veio com a mesma conversa. É contado, não pode, tem que pedir o prato respectivo. Larica chorou, disse que era carente, filho único, “rei do filé com fritas”, e conseguiu.
No Rancho Inn, na Rua do Rosário, foi mais feliz e não precisou disfarçar. O prato da Boa Lembrança era uma sobremesa: “poire fourèe”. Bem: pêra é fruta de velho, segundo o escritor Mário Prata, mas Larica adora.
No Giuseppe, onde o prato era “gnocchi melanzane”, não precisou apelar. Um dos garçons, amigo de Larica, deu um jeitinho de adaptar o gnocchi ao gosto, digamos assim, inusitado do meu amigo. No Sagrada Família, comeu sem problemas o “cinghiale in chianti”, sem saber que colocam ricota (que nunca provou, mas garante não gostar) no gnocchi de aipim.
Mas “mico” mesmo Larica passou em Estocolmo. Descobriu um restaurante em Old Town que tem a promoção de uma espécie de prato da boa mesa. Só que, para consegui-lo, ele tinha que comer algo parecido com “örtkryddad köttfärs till past”. Pelo nome, sentiu que jamais comeria aquele treco. Conversa vai, conversa vem, acabou convencendo o mâitre a lhe ofertar o prato como souvenir, mesmo pedindo um espaguete ao sugo. Só que o sujeito trouxe um com a inscrição “Michelangelo 2000”. Ora! Michelangelo 2000 pode ser em qualquer lugar. Queria o prato que estava exposto na parede, escrito Stokholma (assim mesmo; diferente). Não sei como é “chato” em sueco, mas tenho certeza que foi isso que o mâitre pensou de Larica. Mas conseguiu. Viajou mais de 10 mil quilômetros com aquele troféu nas mãos com o maior cuidado para não o quebrar.
Dias depois, após levar o Wilson para comer o tal do coelho achocolatado, que Wilson garantiu ser uma delícia, Larica pegou o folhetinho promocional e se programou para visitar todos os restaurantes da Boa Lembrança. São mais de 50 (já foi a cinco) em 13 estados do Brasil. Depois deste artigo, ou proíbem Larica de entrar nos restaurantes ou completam a sua coleção. Difícil vai ser fazer seus amigos acreditarem que comeu esses pratos todos. Mas, pelo menos, ninguém vai gozar meu amigo por comer o prato do Sushi Garden: “Namorado japonês”. Esse, Larica garante, não pede de jeito algum. Só se o Wilson for com ele.

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