quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Crônica (Quatro na sessão das duas)

Quatro na Sessão das duas
Paulo Cezar Guimarães

De repente, a matéria fura, o entrevistado marca para outra hora, ou o vôo da Ponte Aérea atrasa. Fazer o quê? São duas horas da tarde no centro do Rio, e acabou de estrear aquele filme que a gente não vai ter tempo para ver durante a semana. Isto aconteceu comigo uma vez, ou melhor duas; talvez quatro... Não importa: algumas vezes.

Entrei no meio do filme, no escuro, para não chamar a atenção, como fazia sempre. No intervalo, desci todo o corpo na poltrona (o que deve ter colaborado para as dores na coluna que sinto atualmente), e fiquei fingindo que lia o jornal. A cena, vista de longe, devia ser ridícula. Minutos antes de ser reiniciada a sessão, já com as luzes semi-apagadas, três figuras conhecidas se sentam na minha frente: os, então, repórteres José Luiz Alcântara, Marcelo Beraba e Marcelo Pontes. Faziam o mesmo que eu. Não resisti, e falei baixinho:

- Matando trabalho, hein?

Foi uma gargalhada geral, que acabou provocando uma seqüência de “shiiiiii” dos demais freqüentadores. Os três, se procurados, contarão uma versão diferente; dirão que eles é que me sacanearam. Outra vez, quase me dei mal. Usei a mesma estratégia, mas o cinema era em forma de arena e cometi a besteira de ficar na parte de baixo da platéia. Para quê? Ao chegar na redação, Milton Coelho da Graça, então Editor-Chefe, chamou-me num canto e me deu uma sacaneada:

- E aí, PC, gostou do filme?

E eu, sem graça:

- Que filme?

Milton, esperto, rebateu de prima:

- Vai me dizer que você viu dois?

Ainda pensei em alegar que estava atrás da fonte, mas sabia que não
iria colar. Aliás, esta coisa de “fazer gazeta” no trabalho, me lembra outra história. Durante dois anos, participei da cobertura diária do Palácio Guanabara, no Rio. Quem já cobriu setor sabe como é: dia de pouco, véspera de muito, ou vice-versa. Na sala de imprensa, os dois contínuos do Palácio sabiam que, quando algum repórter não estivesse na sala, era para dar uma desculpa qualquer, principalmente se o procurado ainda não tivesse chegado.

- Fulano está?

- Está com o secretário Tal fazendo uma entrevista.
Ou coisa parecida. “Ainda não chegou” era frase proibida.


Até que, certa vez,um dos contínuos tirou férias e foi substituído. Seu Amaral, o substituto, foi logo procurado para ser “enquadrado”.

- Escute aqui, seu Amaral, se o telefone tocar e alguém procurar por qualquer um de nós, o senhor inventa uma desculpa qualquer, determinou um dos repórteres.

- Mas o que é isso, meu amigo? Minha religião não permite que eu minta. Respondeu seu Amaral, que tinha a mania de ler a Bíblia durante o expediente. Não tenho certeza, mas imagino que até o Governador deve ter escutado, do seu gabinete, o grito de espanto e indignação do grupo de repórteres:

- O quê??!!

Ainda fiquei algum tempo no setor. O suficiente para ver seu Amaral mentir mais do que político na CPI. Até quando o repórter estava na sala, ele encontrava um jeito de arrumar alguma mentirinha só para não perder o hábito.

Nenhum comentário: